sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Nao vale tudo



Novelas, ah, essas novelas.
Ontem um personagem da novela global Fina Estampa que vinha ganhando dinheiro como michê (suponho que este seja o nome para o comercio do sexo masculino) foi convencido, como forma de abandonar seu "mal caminho" a tornar-se lutador de UFC, o tal vale-tudo, como se chamava antes de se tornar um lucrativo negócio.
Curiosa esta saída social onde colocar o corpo para espancar e ser espancado ao seu limite surge como mais legítima que colocar o corpo á disposição para atos sexuais. Um pooode o outro nããão pode.
Vejamos que em ambas as situaçōes o corpo será utilizado tendo em vista o retorno financeiro: "você vai ganhar muito dinheiro se aceitar treinar duro, deixar o corpo moído de cansaço, aceitar a dor..." disse o cafetão do rapaz? Não, quem disse foi o futuro treina (dor), empresário, agente. Curioso que a frase soaria correta na boca tanto de um como de outro.
Agora, sexo não pode, violência (amainada sob a categoria '
Esporte') essa está liberada.
Estranho não? Ou só eu que sou um personagem deslocado?

quarta-feira, 2 de março de 2011

RAPIDINHA


O conteúdo é sexual.
Assisto Big Brother com pouca culpa, embora toda vez que digo que gosto de Big Brother a alguém ouço reprovações e sou chamado à explicações.
Basicamente, gosto de olhar, por mais editado que seja, as pessoas e suas sutilezas estão lá. Pronto, gosto por isso. Que se foda o resto.
Vi um dos participantes, Diogo, dizendo outro dia que mulheres que transam no primeiro encontro são putas. Rapidinhas. Disse mais ainda, que elas não servem para casar. Pensamento machista comum. Incomum foi ouvir de pessoas, algumas instruídas, uma concordância tácita com o dito cujo. Fiquei impressionado.
Ora, me pergunto por qual motivo tal idéia ainda tem força? Por que um homem pode transar sempre que quiser, no encontro que quiser e, uma mulher, pelo contrário, se o fizer vira puta, coisa de pouco valor?
Penso que a revolução sexual que disseram ter ocorrido na década de 60 do século passado adiantou para quê? O que sustenta essa desvalorização de uma mulher que acompanha as raias de seu tesão? Ou é algum plano divino, que realmente reservou à mulher um lugar no mundo que não combina com um furor sexualis, ou o novo deus, a bio-sociologia, que evolutivamente as programou para ficarem em casa e cuidarem de suas crias. As defeituosas que se queixem de seu erro de programação genético e se submetam à um programa de reabilitação.
Eu, por mim, admiro as safadas e que vão atrás do que querem.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O MITO DE SÍSIFO


TEXTO DE ALBERT CAMUS

De quem e de que, de fato, posso dizer "conheço isso?” Este coração, em mim, posso experimentá-lo e julgo que ele existe. Este mundo posso tocá-lo e julgo ainda que ele existe. Pára aí toda a minha ciência, o resto é construção. Porque, se tento agarrar este eu de que me apodero, se tento defini-lo e sintetizá-lo, ele não é mais do que uma água que corre entre meus dedos. Posso desenhar um por um todos os rostos que ele sabe usar, todos aqueles também que lhe foram dados, essa educação, essa origem, esse ardor ou esses silêncios, essa grandeza ou essa mesquinhez. Mas não se adicionam rostos. Até este coração que é o meu continuará sendo sempre, para mim, indefinível. Entre a certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que tento dar a essa segurança, o fosso jamais será preenchido. Serei para sempre um estranho diante de mim mesmo. Em psicologia, como em lógica, há verdades mas não há verdade. O "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates tem tanto valor quanto o "sê virtuoso" dos nossos confessionários. Revelam uma nostalgia, ao mesmo tempo que uma ignorância. São jogos estéreis sobre grandes assuntos. São legítimos apenas na medida exata em que são aproximativos.
Eis aí também as árvores e conheço suas rugas, eis a água e experimento-lhe o sabor. Esses perfumes de relva e estrelas, a noite, certas tardes em que o coração se descontrai, como eu negaria o mundo de que experimento o poder e as forças? Contudo, toda a ciência dessa terra não me dará nada que me possa garantir que este mundo é pára mim. Vocês o descrevem e me ensinam a classificá-lo. Vocês enumeram suas leis e, na minha sede de saber, concordo que elas sejam verdadeiras. Vocês desmontam seu mecanismo e minha esperança aumenta. Por último, vocês me ensinam que esse universo prestigioso e colorido se reduz ao átomo e que o próprio átomo se reduz ao elétron. Tudo isso é bom e espero que vocês continuem. Mas vocês me falam de um invisível sistema planetário em que os elétrons gravitam ao redor de um núcleo. Vocês me explicam esse mundo com uma imagem. Reconheço, então, que vocês enveredam pela poesia: nunca chegarei ao conhecimento. Tenho tempo para me indignar com isso? Vocês já mudaram de teoria. Assim, essa ciência que devia me ensinar tudo se limita à hipótese, essa lucidez se perde na metáfora, essa certeza se resolve como obra de arte. Para o que é que eu precisava de tantos esforços? As doces curvas dessas colinas e a mão da tarde sobre este coração agitado me ensinam muito mais. Compreendo que se posso, com a ciência, me apoderar dos fenômenos e enumerá-los, não posso da mesma forma apreender o mundo. Quando tiver seguido com o dedo todo o seu relevo, não saberei nada, além disso. E vocês me levam a escolher entre uma descrição que é certa, mas que não me informa nada, e hipóteses que pretendem me ensinar, mas que não são certas. Estranho diante de mim mesmo e diante desse mundo, armado de todo o apoio de um pensamento que nega a si mesmo a cada vez que afirma, qual é essa condição em que só posso ter paz com a recusa de saber e de viver, em que o desejo da conquista se choca com os muros que desafiam seus assaltos? Querer é suscitar os paradoxos. Tudo é organizado para que comece a existir essa paz envenenada que nos dão a negligência, o sono do coração ou as renúncias mortais.
Também a inteligência, portanto; me diz à sua maneira que este mundo é absurdo. Seu oposto, que é a razão cega, inutilmente afirmou que estava tudo claro: eu esperava provas e desejava que ela tivesse razão. Mas, apesar de tantos séculos pretensiosos, repletos de tantos homens eloqüentes e persuasivos, sei que isso é falso. Pelo menos nesse aspecto, não existe felicidade se eu não posso saber. Essa razão universal — moral ou prática —, esse determinismo, essas categorias que explicam tudo têm com que fazer rir o homem honesto. Não têm nada a ver com o espírito. Negam sua verdade profunda, que é estar acorrentado. Nesse universo indecifrável e limitado o destino do homem, daí em diante, adquire seu sentido. Uma multidão de irracionais se levantou e o cerca até o último objetivo. Em sua perspicácia reavida e agora harmonizada, o sentimento do absurdo se aclara e se precisa. Eu dizia que o mundo é absurdo: estava andando muito depressa. Esse mundo em si mesmo não é razoável: é tudo o que se pode dizer a respeito. Mas o que é absurdo é o confronto entre esse irracional e esse desejo apaixonado de clareza cujo apelo ressoa no mais profundo do homem. O absurdo depende tanto do homem quanto do mundo. É, no momento, o único laço entre os dois. Cola-os um ao outro como só o ódio pode fundir os seres. É tudo o que posso discernir nesse universo sem limites em que prossegue a minha aventura. Paremos aqui. Se considerar verdadeira essa absurdidade que regula minhas relações com a vida, se me compenetro desse sentimento que se apossa de mim ante os espetáculos do mundo, desse descortino que me impõe a busca de uma ciência, devo tudo sacrificar a estas certezas e encará-las de frente para poder mantê-las. E devo, sobretudo, pautar de acordo com elas o meu comportamento, levando-as adiante em todas as suas conseqüências. Estou falando de honestidade. Mas quero saber, doravante, se o pensamento pode viver em tais desertos. Já sei que o pensamento pelo menos entrou nesses desertos. Aí encontrou seu pão. Aí compreendeu que até então se alimentava de fantasmas. E serviu de pretexto a alguns dos temas mais insistentes da reflexão humana. A partir do momento em que é reconhecida, a absurdidade é uma paixão, a mais dilacerante de todas. Mas saber se alguém pode viver com suas paixões, se lhes pode aceitar a mais profunda lei, que é a de queimar o coração que ao mesmo tempo elas exaltam, eis aí todo o problema. No entanto, não é ainda o que apresentaremos. Ele está no centro dessa experiência. Chegará a hora de voltar a ela. Reconheçamos, antes de tudo, esses temas e esses impulsos nascidos do deserto. Bastará enumerá-los. Esses também, no presente, são conhecidos por todos. Sempre houve homens para defender os direitos do irracional. A tradição do que se pode chamar de pensamento humilhado jamais deixou de estar viva. A crítica do racionalismo já foi feita tantas vezes que parece não se ter mais como fazer. No entanto, a nossa época vê renascer esses sistemas paradoxais que se aplicam em atravancar a razão, como se ela de fato houvesse sempre andado para frente. Mas isso não é tanto uma prova de eficiência da razão quanto da vitalidade das suas esperanças. No plano da história, essa constância de duas atitudes ilustra a paixão essencial do homem dilacerado entre seu apelo para a unidade e a visão clara que pode ter dos muros que a encerram.

terça-feira, 9 de março de 2010

SAWAMU


A situação na escola insistia em piorar, principalmente após as aulas de Educação Física. Ali, sentado, entalado, as cenas insistiam em voltar-lhe à memória: luz amarelosturricante do sol das 3;os garotos em seus calções azuis, meias e camisas brancas encharcadas de suor retornando para suas casas. E o maldito Jurky em sua orelha: "..hei, deixa eu ver, só uma olhadinha...". Como teimava em não consentir, Jurky o atacava com um apelido que o amarrava à uma temida não masculinidade (fosse o que fosse isso). Já pensara em resolver as coisas no braço, mas à época as dimensões de seu algoz o intimidavam, o maldito era um repetente - que significava um burro dotado de mais músculos que os outros; ainda assim tinha ganas de enfrentá-lo. O problema, no entanto, era que pior ficaria se apanhasse: além de ter que explicar em casa, a posição diante de todos pioraria, supunha.


Como nos filmes adolescentes americanos, as brigas entre garotos eram um espetáculo público. Bastava alguém insinuar uma ameaça física e um inusitado ouvinte anunciava : "vai ter briga no fim da aula". Pronto, estava marcado o show. Por vezes as brigas aconteciam mais pelo temor dos contenciosos em ofender as expectativas da patuléia quanto à briga, do que pelo desejo de espancar o algoz; havia uma sensação de impossibilidade de conter essa avalanche de demanda bélica deflagrada. Recuar era se tornar aquele que amarelou, ou seja, a própria mosca do cocô do cavalo do bandido. Portanto, cuidado com as palavras, elas crescem e ganham vida própria.


Jamil sabia, portanto, que um fracasso seria público. Isso era impensável; desde a morte dela, onde ocupara um lugar de destaque naquilo que lhe parecera um excesso de exposição, fugia do foco como o diabo foge da cruz (embora haja quem diga que, na verdade, o chifrudo é obcecado pela mesma; vai saber).

Conceber que poderia ter êxito no enfrentamento (apesar da bem sucedida briga com o João Grandão, que Jamil insistia em deixar fora de seus cômputos), lhe trazia temores. Era uma fase de cheia de 'inhos (medrosinho, pequeninho, filhinho) e os consequentes fracassos destas suas recusas. Optou por fingir que não ouvia. Mas tudo lhe parecia muito duro, os xingamentos e apelidos que Jurky lhe dava entravam e envenenavam a alma.


Também odiava estar no centro do espetáculo. Jamil ainda acreditava em ter que dar a esse Outro o que imaginava estar sendo requerido dele. Vivia no paradoxo entre essa impossibilidade de ação e manutenção da crença. Paralisava-se. Entalava. Não, definitivamente, a briga não era uma saída. A não ser, é claro, que ocorresse de surpresa, traição pura. Não se incomodava com isso; argumentava consigo que estava cansado, que tinha que tentar mostrar que era forte, e que para isto não havia regras. Mais do que tudo, não suportava aquela humilhação toda! Ora, se Jurky não respeitava as regras da civilidade e gentileza, às quais Jamil sempre tinha que se sujeitar, que diariamente lhe eram exigidas, ainda mais sendo filho de quem era.


Melhor assim. Sabia que o Jurky o seguia mais ou menos até o mesmo lugar, sempre. Naquele ponto, o fluxo de garotos já estaria diluído. Pouca platéia. Esperaria um pouco mais para sair, o que reduziria ainda mais o número de testemunhas. Contaria com a ajuda de Rodrigo, que também não gostava de brigas, era educado, mas não deixaria o melhor amigo na mão, principalmente se estivesse apanhando. Achou melhor ser na saída da aula, aproveitaria um desses dias em que o maldito o aporrinhava também em sua ida para casa; o caminho era o mesmo, assim como a estratégia. Entretanto, estaria armado: sua mochila de cdf, carregada de cadernos e livros era de um peso considerável. Era usá-la como um poderoso EL KABONG na cabeça do maldito, usando um salto no vácuo com joelhada. Situações extremas, medidas desesperadas. Pronto. No guts, no glory (mas isto só aprenderia beemmm depois).

O mundo girou.

Flagrado bulinando uma garota num cantinho, perto da quadra externa, ao lado do campinho, Jurky foi suspenso. O pai da mesma ameaçou de morte. Temendo piores consequências, ou pelo fato de estarem de saco cheio do péssimo investimento na educação de Jurky, acabou sendo transferido pelos seus pais para o noturno de outra escola. Iria trabalhar. Não tinha ECA para moderar.

Jamil até hoje acha que ainda precisa aprender uma arte marcial; nunca se sabe quando vai precisar daquele salto no vácuo com joelhada. Há muitos Jurkys por aí.

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