terça-feira, 21 de julho de 2009

upsidown


Ostrordia, para meu constrangimento e fúria, ouvia eu (melhor isso que a surdez, talvez) a repetição constante das imprecações "absurdo", "ai, gente, isso é o fim", "não entra na minha cabeça". Parte da fúria se deve menos ao conteúdo e mais à fonte, cujos motivos muito provavelmente se deve bem menos ao objeto e sim aos descaminhos de uma alma perturbada.

O objeto das imprecações eram os vídeos de uma festa de aniversário. De um cachorro. Vejam, bem, não se trata dos festejos em relação ao meu próprio filho de quatro patas, mas aos de outrém, do qual participei.

Se houvera máquina do tempo que tolerasse excesso de tara ( o duplo sentido está posto) e voltasse 20 anos no tempo e contasse ao meu eu passado que um dia ele participaria de tal festejo; provavelmente seriam lançadas as mesmas imprecações. Como disse, caminhos de almas perturbadas.

Mas o tempo se encarrega de girar as coisas, de fazer cuspes cairem escarradamente nas testas, de nos surpreender com situações que nos obrigam a revisões, Upside-down. Curioso é que suspeito que aquilo que mais fervorosamente denegamos, tanto mais chance de nos reencontrarmos com isto; talvez estas negativas fervorosas já sejam indícios de trilhos com dormentes em processo de assentamento. Basta que a locomotiva da vida nos pegue neste desvio.

A festa foi ótima! Compartilhar com aqueles amigos a alegria, os efeitos e funções que criar um bichinho peludo podem dar foi bom. Senti-me menos só; somente quem já foi atropelado pela locomotiva da vida e tenta aprender como aconteceu pode compartilhar desses momentos.

Caro Ferreira


Li no jornal Folha de São Paulo do domingo 19/07/2009 um artigo assinado pelo poeta Ferreira Goulart sobre a Reforma Psiquiátrica. Recomendo a leitura do mesmo mas, sucintamente e resistindo à tentação de fazer "bonecos de palha" de seus argumentos, ele em seu texto conta duas histórias - uma em que a proposta de criação de leitos psiquiátricos em hospital geral pareceria uma tentativa de dourar a pilúla para a doença mental e outra em que atribui à internação de longa duração a possibilidade de alguém ter se tornado um artista e não mais um mendigo dessas tantas ruas.

Quanto ao primeiro trecho, de fato, em nome da constante busca do políticamente correto muitas vezes se esquece algo que Deleuze e Guatarri, reformadores psiquiátricos, já há muito diziam - a loucura não se encaixa. Mas isto é diferente de dizer que não se possam fazer laços. A dramaticidade que adquirem alguns casos é pungente, não necessariamente bela, conflituosa e contraditória (quem quiser um belo exemplo veja o belo filme Estamira). Mas está claro que evitar o gueto, sempre que possível, é melhor. O que me leva ao segundo ponto.

É preciso estar desesperadamente cego para apagar o genocídio subjetivo promovido pela lógica manicomial de se tratar a loucura. Ferreira Goular cita justamente a excessão - Nise da Silveira em seu Pedro II; ademais a possibilidade dada ao caso por ele cita seria muito mais ampla se aquele personagem pudesse viver de sua arte nas ruas e não no gueto.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009


Eu assisti um vídeo no youtube onde havia uma reportagem sobre redução de danos e um cidadão chamado Carlos inseriu, no meio da reportagem, críticas à Redução de Danos. O vídeo está nesta barrinha lateral aqui do blog. Não sei muito bem o motivo mas resolvi escrever um e-mail para o cidadão comentando os comentários dele; nada demais, nenhum grande arrazoado de minha parte, mas resolvi postá-lo aqui no blog também.

"Prezado Carlos, assisti a um vídeo no youtube com a reportagem sobre Redução de Danos e tuas críticas a ela.

Trabalho com o tratamento para drogadição já há alguns anos e te digo que a estratégia de Redução de Danos é boa, eficaz e que nunca observei fenômenos como aqueles que você pontua em teu texto, tais como - "...na fissura ninguém prestará atenção em nada...quebrarão os cachimbos e utilizarão os mesmos....não utilizarão a seringa limpa...." pelo contrário, os usuários prestam muita atenção no que estão fazendo e, em sua maioria, quando tem os insumos à mão fazem uso adequado dele. Além disso, é preciso haver postos de troca próximos à eles e que sejam confiáveis para que utilizem os novos. Observamos também uma redução no consumo das pessoas que passam a utilizar a estratégia da redução de danos; por algum motivo, começam a se cuidar um pouco mais, tentam moderar seu excesso.

O usuário de drogas tem tudo para ser um bom agente redutor de danos - ele conhece a rede de usuários, conhece os fornecedores (traficantes), sabe os horários e locais de uso e é conhecido. Oferecer a esta pessoa um trabalho é também oferecer uma oportunidade de insersação social, uma forma dele mesmo moderar seu uso e se cuidar.

O difícil, na verdade, é aceitar a noção de que existem pessoas que não querem parar ou que tem extrema dificuldade para fazê-lo e que é direito delas permanecer assim. A moral ocidental parece querer punir essas pessoas em função de tal escolha, sendo que elas já pagam um preço caríssimo por ela: um usuário severo de qualquer substância certamente terá sérios problemas de saúde, não conseguirá uma colocação no mercado de trabalho, será estigmatizado, afastar-se-á de sua família e comunidade!! Tudo isso resultado da escolha que fez de permanecer usando muita droga!! Justamente por isso não é necessário que ninguém se arrogue o papel de um deus severo e punidor e jogar mais cargas sobre os ombros dessas pessoas, esquecendo que somente por pela sua condição de seres humanos eles tem o direito de ter sua condição respeitada, mesmo que sejam usuários de drogas!!! (veja, os usuários são os primeiros a esquecer tudo isso).

Bom, este texto ficou mais comprido que eu esperava.

Espero estabelecer um bom diálogo contigo.

EBER"

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