
Ostrordia, para meu constrangimento e fúria, ouvia eu (melhor isso que a surdez, talvez) a repetição constante das imprecações "absurdo", "ai, gente, isso é o fim", "não entra na minha cabeça". Parte da fúria se deve menos ao conteúdo e mais à fonte, cujos motivos muito provavelmente se deve bem menos ao objeto e sim aos descaminhos de uma alma perturbada.
O objeto das imprecações eram os vídeos de uma festa de aniversário. De um cachorro. Vejam, bem, não se trata dos festejos em relação ao meu próprio filho de quatro patas, mas aos de outrém, do qual participei.
Se houvera máquina do tempo que tolerasse excesso de tara ( o duplo sentido está posto) e voltasse 20 anos no tempo e contasse ao meu eu passado que um dia ele participaria de tal festejo; provavelmente seriam lançadas as mesmas imprecações. Como disse, caminhos de almas perturbadas.
Mas o tempo se encarrega de girar as coisas, de fazer cuspes cairem escarradamente nas testas, de nos surpreender com situações que nos obrigam a revisões, Upside-down. Curioso é que suspeito que aquilo que mais fervorosamente denegamos, tanto mais chance de nos reencontrarmos com isto; talvez estas negativas fervorosas já sejam indícios de trilhos com dormentes em processo de assentamento. Basta que a locomotiva da vida nos pegue neste desvio.
A festa foi ótima! Compartilhar com aqueles amigos a alegria, os efeitos e funções que criar um bichinho peludo podem dar foi bom. Senti-me menos só; somente quem já foi atropelado pela locomotiva da vida e tenta aprender como aconteceu pode compartilhar desses momentos.
4 comentários:
Lamento companheiro, mas o fato de se comemorar aniversário de cachorro com festas, convidados, etc, além de outros exageros que se vem cometendo na demonstração de afetos aos fiéis companheiros de quatro patas, só revela mais uma futilidade burguesa desse nosso tempo (alguns chamam de pós-moderno, outros de hiper-moderno, etc.). Não vejo como um fato ao qual eu deva me render e aprender.
Como disse o filósofo "cada um com seu cada qual". Só pode comungar com uma esquisitice dessas quem compartilha um pouco das dificuldades dessa estrada, onde o amor animal é uma solução possível. Isso é o que há de bom nesta hipermodernidade: em contraponto à caretice moderna/racional onde os desencontros da vida deveriam ser ortopedicamente aplainados por alguns dos ideais racionais (quer de consumo, quer esquerdistas, quer utopias religiosas), na pós-modernidade as soluções possíveis para os descaminhos da vida, por incongruentes que sejam, podem ser assumidos e respeitados. E nisso não há nada de fútil.
Não deixa de ser triste ver como a, até pouco tempo, exigente burguesia vai sucumbindo às mazelas do mundo individualista que ela mesmo criou.
Ter um amigo de quatro patas é razoável e é uma prática humana antiga, agora querer elevá-los a status humano é uma distorção. Certamente não seria por falta de seres humanos a quem dirigir os afetos. Contudo, que não seja como alguns dizem, por preferirem a amizade de um cão à de um ser humano por estes serem incômodos, etc. etc. o que demonstraria uma desistência do ser enquanto humano. Neste caso os tais que advogam tal comportamento deveriam ser mudar para um canil, não acha? kkkkkkkkk. Abraços.
Interessante como a palavra burguesia se torna adjetivo pejorativo e não substantivo. Sem dúvida, um equívoco. Antropomorfizar o que quer que seja é uma prática antiga, humana, não pode ser lançado na fatura da burguesia. Sem dúvida, pode levar a situações inusitadas, quando não brutais. Comemorar o aniversário de um cão é uma dessas coisas inusitadas, mais ou menos estranhas, dependendo de como se faz e de como se olha. Por último, nada mais humano que desistir do humano.
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